INSS pode cobrar contribuição sobre bônus eventual
Por: Luiza Calegari
Fonte: Valor Econômico
A Receita Federal firmou o entendimento de que ganho eventual não
previsto em lei, como o pagamento de bônus extraordinário a empregados e
diretores, após um aporte inesperado de recursos na empresa com o ingresso
de acionistas, deve ser tributado pela contribuição previdenciária. A posição
do Fisco está na Solução de Consulta nº 55, da Coordenação-Geral de
Tributação (Cosit), que orienta os fiscais do país.
O contribuinte sustentou que o pagamento do bônus, por não ser habitual, não
integraria o salário dos trabalhadores, que é a base de cálculo da contribuição
previdenciária patronal - cuja alíquota de 20% é uma das maiores despesas das
empresas.
A companhia argumentou com base no artigo 28, parágrafo 9º, alínea “e”, item
7, da Lei nº 8.212, de 1991. O dispositivo exclui da base de cálculo importâncias
“recebidas a título de ganhos eventuais e os abonos expressamente
desvinculados do salário”.
O problema é que, em normas posteriores, como o Regulamento da
Previdência Social (Decreto nº 3.048) e a Instrução Normativa nº 2.110, da
Receita Federal, a lei foi interpretada de forma a abranger só os “ganhos
eventuais expressamente desvinculados do salário por força de lei”.
No caso levado pela empresa para a solução de consulta, não haveria previsão
legal específica para esse pagamento extraordinário. Segundo a Receita, esse
fato justifica a incidência da contribuição previdenciária.
Tributaristas criticam o entendimento da Receita. Alessandro Cardoso, sócio
do Rolim Cardoso Advogados, destaca que ele destoa de outra interpretação da
Receita, expressa na Solução de Consulta Cosit nº 126, de 2014. Ela dizia que o
ganho eventual não depende da vontade do trabalhador nem de seu
desempenho, sendo concedido por liberalidade do empregador.
Para o tributarista, mesmo essa interpretação é restritiva, já que “habitual deve
ser a verba cuja repetição permite ao trabalhador considerá-la como
remuneração normal”. Ainda assim, considera o entendimento superior ao da
Solução de Comsulta Cosit nº 55.
Cardoso destaca que a questão é de grande importância para empresas porque
é comum que verbas não habituais sejam distribuídas aos empregados.
Já a professora Ana Carolina Monguilod, do Insper, entende que a posição da
Receita apenas reflete a Solução de Consulta Cosit nº 151, de 2019. Isso porque
ela já teria delineado os critérios para o ganho eventual não sujeito à
contribuição previdenciária. “A lei que determina expressamente a
desvinculação do pagamento dos salários é a CLT, que, após a reforma
trabalhista, incluiu nessa categoria o prêmio por desempenho superior ao
esperado”, diz.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) tem sido desfavorável
ao contribuinte, apontam os especialistas. Em maio de 2024, a 2ª Turma
Ordinária da 2ª Câmara da 2ª Seção entendeu que a importância paga a
empregados mais de uma vez, por estipulação em acordos coletivos, deve
integrar a base da contribuição previdenciária (acórdão nº 2202-010.714).
Em outro processo, a 2ª Turma da Câmara Superior decidiu que pagamentos
feitos a empregados como incentivo por ideias aprovadas também não se
enquadram na exceção. Assim, estão sujeitos à contribuição (acórdão nº 9202-
011.378).
Na 2ª Turma Ordinária da 1ª Câmara da 2ª Seção, os conselheiros entenderam
que bônus de retenção e abonos não constituem pagamentos eventuais, a não
ser que tivessem sido expressamente previstos em lei ou decorressem de
convenções coletivas, contanto que pagos em parcela única, sem referências ou
vinculação ao salário (acórdão nº 2102-003.444).
Bernardo Leite, sócio do ALS Advogados, critica ainda a diferenciação que a
Receita fez entre empregados e diretores estatutários, que têm contrato
diferenciado para a prestação de serviços e não vínculo de emprego.
“O problema é que não deveríamos restringir a aplicação do artigo 7º da
Constituição, que fala dos direitos dos trabalhadores, dos empregados com
vínculo CLT. Hoje, nas grandes empresas, os diretores estatutários não têm
uma autonomia muito maior do que os funcionários e, normalmente, se
submetem ao Conselho de Administração”, afirma.
Por outro lado, ele entende que não é papel da Receita Federal fazer
interpretações muito extensivas a respeito da aplicação das leis, o que caberia
ao Judiciário. “Isso faz com que as discussões cheguem ao Judiciário, já que
acabam sendo um pouco genéricas.”
Procurada pelo Valor, a Receita reiterou o entendimento da Solução de
Consulta n° 55. Por meio de nota, diz que, no caso analisado, não ocorreu “a
presença do mais importante atributo (expressa desvinculação do salário por
força de lei), pois não se vislumbra dispositivo legal desvinculando
expressamente do salário um pagamento (eventual) feito a determinado grupo
de empregados e diretores em razão do ingresso de novos acionistas e novos
aportes de recursos na empresa”.